12 de setembro de 2011

Obras da Bienal discutem imigração, raça e território

Trabalhos expostos no Cais do Porto representam diferentes culturas.
Não é necessário ser especialista para perceber que esta 8ª edição da Bienal é a mais política. O conjunto em exposição nos armazéns do Cais do Porto discute territórios e fronteiras usando signos como mapas, cartas, bandeiras, passaportes - criando territórios imaginários com histórias tão interessantes quanto as de lugares reais.

Obra do francês Jean-François Boclé
Foto:  Jean Schwarz  /  Agencia RBS

Veja aqui vídeo sobre as obras do Cais do Porto.

Tome-se como exemplo uma das primeiras obras a atrair o olhar na entrada do armazém A4. Uma corrente dourada amontoa-se até formar o relevo de uma ilha em miniatura. De autoria do mexicano Eduardo Abaroa, o trabalho faz referência a uma ilha cuja mudança de status, de real a fictícia, carrega implicações sérias para a economia mexicana. A chamada Isla Bermeja está nos mapas do México praticamente desde as primeiras descrições cartográficas do país - a referência mais antiga é de 1535. Mas nunca ninguém se preocupou em ir até lá até bem recentemente, quando descobriu-se haver petróleo nas redondezas. Só que a ilha não foi encontrada.

Embora técnicos e geógrafos ressaltem que a procura deveria ser mais ampla, a população começou a espalhar lendas de que os norte-americanos haviam roubado ou afundado a ilha, agora que ela valia alguma coisa - comentou Abaroa.
Se o mexicano aborda uma ilha não encontrada, o paulista André Komatsu apresenta uma ilha que se move. Quatro ventiladores, soprando em direções diferentes, fazem girar uma mesinha com rodas, em frente a outra obra do mesmo artista, um muro em que uma coluna de tijolos foi deslocada com um macaco hidráulico - referência a fronteiras livres para capitais, não para pessoas.
Além de bandeiras e mapas (provavelmente os signos mais presentes nos armazéns da Bienal), o camaronense Barthélémy Toguo também trouxe ao espaço da Bienal a burocracia dos atuais impasses nas fronteiras internacionais. Sua obra The New World Climax ("O Clímax do Novo Mundo") constitui-se de carimbos gigantescos esculpidos em madeira - bem como os dizeres de cada um impresso em folhas coladas em uma parede ao fundo (entre elas, um simpático "passaporte de gaúcho" - alguém deve ter soprado no ouvido do artista sobre o proverbial bairrismo dos locais).

As obras também esboçam suas próprias narrativas. A guatemalteca Yasmín Hage criou uma maquete de madeira e papelão reconstruindo a Aldeia Modelo, tentativa do governo da Guatemala de, nos anos 1980, retomar áreas em plena selva por meio da presença do exército em aldeias planejadas. Acompanha o trabalho um vídeo que só se consegue assistir ao colocar a cabeça em uma estrutura cilíndrica de madeira. Um convite a olhar mais de perto.
O que também é necessário ao se aproximar da obra de Jean-François Boclé - pilhas de produtos comerciais ordenados num arranjo que à distância lembra o horizonte de prédios de uma grande cidade. Mais perto, revelam-se os produtos, adquiridos em supermercados: alvejantes, doces, utensílios domésticos. Mais perto ainda se vê que ela segue uma linha: da esquerda à direita, de rótulos com fotos e desenhos realísticos de pessoas brancas até produtos em que a imagem de negros é caricaturada: olhos esbugalhados, lábios grossos, mostrados em ocupações subalternas.
A impressão do Cais do Porto em seu conjunto é uma curiosa mistura de ordem e excesso. A exposição aproveita muito bem os espaços, cada obra está lá sem que atropele as outras, vizinhas. Já o excesso vem da enorme quantidade de informações reunidas - passa-se facilmente uma hora inteira observando um único armazém antes de lembrar que há outros na sequência. Na dúvida, não hesite em perguntar aos mediadores, já que muitas das histórias por trás de cada obra são tão interessantes quanto a própria obra.

Carlos André Moreira  |  carlos.moreira@zerohora.com.br
Fonte:Jornal Zero Hora

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