7 de agosto de 2010

“Paint a Future” - Vendem-se sonhos

Desejos de crianças inspiram telas da mostra coletiva “Paint a Future”

Felicidade não se compra? A mostra em cartaz na Usina do Gasômetro e no Memorial do Rio Grande do Sul prova que há controvérsia. Nas paredes dos dois espaços, sonhos estão à venda: as telas expostas são a tradução de artistas para o desejo de meninos e meninas de comunidades carentes mundo afora. E os visitantes são convidados não apenas a apreciar as obras, mas também a comprá-las e, assim, fazer uma criança feliz.

O projeto Paint a Future, que já realizou centenas de sonhos, é da artista e curadora holandesa Hetty van der Linden. No início dos anos 2000, ela foi convidada para expor em Buenos Aires, onde participou de jantares da alta sociedade. À mesa, uma senhora lhe contou, horrorizada, que teve o carrinho de compras roubado no supermercado. Hetty saiu dali e deparou com meninos de rua, que lhe pediram esmola. Perguntou de que viviam, além daqueles trocados eventuais, e eles explicaram que também roubavam as compras de velhinhas no supermercado. Estavam ali, pensou a artista, dois extremos de pobreza e riqueza incomunicáveis, a não ser pelo enfrentamento.


Rita mora em uma comunidade quilombola perto de Florianópolis, em Santa Catarina, e sonha em morar em uma casa melhor, com água corrente...



...Seu desejo foi convertido em arte pelo pintor holandês Theo Koster e integra as exposições em cartaz na Capital. Também é possível conhecer outros sonhos no site www.paintafuture.org/, onde estão à venda telas, camisetas e CDs para realizar os sonhos das crianças.



Tenho que fazer algo, mas só sei pintar – pensou, inconformada.

Pouco tempo depois, veio a solução no encontro anual de artistas em um orfanato da Croácia, onde todos estavam pintando uma obra para doar à entidade. As crianças ficavam à volta de Hetty mexendo em suas coisas, até que ela, pensando em lhes dar uma ocupação, ofereceu papel e pincéis e disse:

 

– Sentem aí e pintem seus sonhos.

Hetty acabou misturando as pinturas das crianças em sua tela, e a vendeu em benefício delas. A partir dali, cada exposição sua tinha um quadro de um sonho infantil, iniciativa que foi angariando mais e mais artistas voluntários, de diferentes nacionalidades. Hetty recolheu sonhos em países como Peru, Argentina, Madagascar e Brasil, onde reuniu crianças em São Paulo e Santa Catarina – a Ilha da Pintada, em Porto Alegre, também está nos planos. Com as telas vendidas (2,5 mil euros cada, em média), o projeto já conseguiu erguer casas, cestas básicas e tratamento dentário, comprar bicicletas, bolas, uniformes, aparelhos de surdez, entre outros sonhos. E ainda há desejos que não se compram, como a vontade de ser jogador de futebol, de guris catarinenses, o apelo de crianças de São Paulo para que suas mães deixem de beber, e uma mãe para Marco, do Peru, que perdeu a família em uma inundação.


Depois de passear no andar térreo da Usina, comentando os sonhos alheios, a artista holandesa de 64 anos, mãe de três filhos e avó de um neto, conta seu desejo:

– Meu sonho era viver em paz em casa, com minha família, porque não haveria mais a necessidade de realizar esses sonhos. Já não haveria mais tantas diferenças no mundo.


Enquanto essa utopia não se realiza, Hetty segue se ocupando dos sonhos possíveis. E convidando a todos para se juntarem a ela:


– Sonhos há aos milhares, artistas voluntários, mais de 100, mas pessoas para realizar esses sonhos ainda são poucas.


Os sonhos estão à venda na Usina do Gasômetro (João Goulart, 551) e no Memorial do Rio Grande do Sul (Sete de Setembro, 1.020) até 31 de agosto.


Versão do chileno Jorge Vilches Gana para o sonho de Mateus, morador do Morro da Penitenciária, em Florianópolis: ser jogador de futebol.


O sonho de ter uma casa melhor, de Edwin, morador da periferia de Florianópolis, inspirou o pintor chileno Loreto Enriquez


Obra de Hetty van der Linden a partir do sonho do garoto Marco, do Peru, que perdeu a família e a casa nas inundações que assolaram o país neste ano. Ele quer uma casa e uma mãe.



Em sete anos à frente do projeto Paint a Future, a artista holandesa Hetty van der Linden carrega consigo os sonhos das crianças que conheceu. Não se esquece de Duska, a menina de um orfanato da Croácia que queria uma casa e uma família – e conseguiu – e de um garoto de Madagascar que encheu a folha de círculos. Hetty perguntou que sonho era aquele: os pratos de comida que ele gostaria de ter pelo resto da vida, explicou ele.

– Esse é o desejo de uma criança, comida – lamenta Hetty.


Casas são os sonhos mais comuns, em especial no Brasil, mas também há quem queira ser rei. As imagens nesta página ilustram alguns dos sonhos à venda nas duas mostras em cartaz em Porto Alegre, na Usina do Gasômetro e no Memorial do Rio Grande do Sul. Entre os artistas participantes, estão Gregorio Gruber e Maria Villares, de São Paulo, Paulo Amaral, de Porto Alegre, Gayle Tustin, dos EUA, Alejandro Teves, da Argentina, Maria José Bargazgoitia, da Espanha, Brunno Palladin, da Croácia, Gianni Borta, da Itália, e Anna Verrijt, da Holanda, além de
Hetty.

Fonte: Zero Hora

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