“Em toscos  pedaços de madeira, o artista popular nordestino  construiu a mais rica e  instigante expressão plástica da cultura  brasileira. De pouca leitura, o  artista usou a técnica milenar da  xilogravura para retratar o seu mágico  universo, onde anjos se misturam  com demônios, beatos com cangaceiros, princesas  com boiadeiros, todos  envolvidos nas crenças, esperanças, lutas e desenganos da  região mais  pobre do país.
A aridez  inclemente de todas as estações torna a paisagem  sertaneja campo fértil para o  fantástico. “Dentro da paisagem real,  marcada por contrastes sociais, em que a  maior sede é de justiça, os  seres sofridos, desprezados e perseguidos encontram  nos traços do  gravador popular o campo para se transfigurarem em heróis e  hóspedes de  um mundo melhor.”
Jeová  Franklin
Em 1907 surge no Recife pela  primeira vez a xilogravura no cordel.  Chagas Batista, poeta pioneiro, publica  em página interna a estampa de  Antônio Silvino, célebre cangaceiro. Na mesma  época, Leandro de Barros,  também poeta, reutiliza a figura em suas capas. Essa  imagem vem a  circular até 1925, com pequenas alterações. 
Na Fundação Casa de  Rui Barbosa, no Rio de  Janeiro encontra-se a mais antiga referência do folheto.
A feitura
“Quem surgiu primeiro foi o  repentista. Os repentistas iam  antes nas casas. O cordelista veio depois de  Leandro e outros, que  escreviam no papel a mesma poesia. O repentista chega  aqui e começa a  cantar abrangendo tudo que tem nessa sala, o seu nome e de  outro, as  mulheres, os homens, o moreno, o pequeno, o gordo. Ele faz versos   gozando ou elogiando todo esse povo. 
O cordelista escreve com um  objetivo, um enredo que vai dar um  futuro para aquela história. É a mesma  literatura, a mesma escritura,  só que o repentista nasceu primeiro no Nordeste.  A Paraíba é que é o  lugar mais forte da poesia popular.
É muito difícil dar expressão  a uma gravura. Eu desenho  direto. Tem muitos gravadores que desenham no papel e  passam para a  madeira. Eu não. Pego a madeira, lixo, desenho, sai meio troncho,   errado, lavo a faca, corto, imprimo e mostro. Se agradar, agradou. Se  não  agradar, foi brincadeira.”
 J. Borges
(in J. Borges por J. Borges. Org. Clodo Ferreira. Editora UnB, 2006)
(in J. Borges por J. Borges. Org. Clodo Ferreira. Editora UnB, 2006)
Dois fatores explicam as  condições para que no início do  século XX surgisse em Juazeiro do norte, Ceará,  as condições ideais  para as primeiras manifestações regulares da xilogravura. A  vinda do  entalhador italiano Agostini para esculpir as portas da igreja matriz   trouxe a técnica que chamaram a atenção para uma nova função estética  para a  madeira.
Uma nova leva de artesãos se  formou na arte de esculpir  portas, guarda-roupas e santos para atender a  demanda dos romeiros. Com  a arte dos santeiros e tipografias improvisadas Agostini  ensinou  também o entalhe de matrizes de madeira para a impressão de títulos   para o jornal do Padre Cícero e de rótulos de produtos fabricados pela   indústria no vale do Cariri.
Com estilos opostos, Mestres  Noza e Walderedo Gonçalves  ganharam destaque como xilogravadores da  região.  Noza, devoto, muito   primitivista, produzia figuras sem detalhes. Walderedo, iniciado na arte  da  xilogravura dez anos depois de Noza e crédulo em relação ao Padre  Cícero, foi  considerado o mais clássico dos gravadores populares.  Produzia ilustrações com  traços finos e complexos sombreados.
Em Pernambuco, Ceará,  Alagoas, Sergipe e Bahia surgiram  pequenas gráficas caseiras, sem mercado de  expressão. A democratização  do processo produtivo de cordéis abriu espaço para  a xilogravura e seus  artistas.
Matrizes
Dois estilos distintos de  composição foram desenvolvidos: o dos  xilogravadores radicados em Pernambuco e  os de Juazeiro do Norte – CE.   O  primeiro, fiel às figuras isoladas do fundo da gravura, com grandes  contrastes  nas áreas de impressão, permite a experiência de impressões  coloridas; o  segundo, com sombras, fundos detalhados e complexidade de  traços. 
Mestre Nosa
O precursor da xilogravura decorativa
Inocêncio Medeiros da Costa  ou Inocêncio da Costa Nick era do  grupo de “santeiros do Padre Cícero”. Nascido  em Pernambuco, em 1897,  mudou-se para Juazeiro do Norte aos 15 anos. Foi o  primeiro artista a  ser publicado em álbum de gravuras populares brasileiras com  a  seqüência da Via Sacra, em Paris (1965) e a trabalhar por encomenda para  um  produtor cultural. 
J. Borges
Patrimônio da Cultura Pernambucana
Nascido em Pernambuco, em  1935, é patriarca de um clã de  xilogravadores. Diz que tudo que aprendeu  deveu-se ao medo de cortar  cana. Estudou somente dez meses em escola. Agricultor,  pintor,  carpinteiro, fabricante de brinquedos, poeta, foi ser cordelista,   ilustrar, imprimir e vender seus próprios folhetos. Obteve  reconhecimento  nacional e internacional e é hoje o mais conhecido  xilogravador nordestino. 
Gráfica São Francisco
A maior folhetaria do Nordeste
Montada em 1926, em Juazeiro  do Norte pelo poeta alagoano José  Bernardo da Silva. Em 1949 compra a maior  gráfica do Recife, do poeta  João Barros de Athayde, com o acervo de títulos dos  mais renomados  poetas e o melhor sistema de distribuição dos folhetos. Adotou  as  ilustrações em xilogravura e chegou a atingir a produção mensal de meio   milhão de folhetos.
Para comemorar o centenário  da xilogravura na literatura de cordel  em 2007, a pedido de Jeová  Franklin os artistas Abraão Batista, José  Lourenço, J. Miguel, Zênio Brito,  Dila, J. Borges, Nena e Marcelo  Soares criaram estampas especiais com o título  100 anos de xilogravura  no cordel, como capas de álbuns com vinte de suas  obras. São grandes  representantes do vigor da produção contemporânea de  xilogravuras  populares no nordeste.
“Deuses  e demônios espalhados pelos versos de cordel
Lutas e desejos de promessas de encontros pelo céu
Facas e facões: vinganças de amor
Quem sentiu a quentura vinda do sertão
Vê sabedoria na gravura, vê a tinta impregnada de emoção
Povo abandonado numa esquina explodindo de emoção
Trágicas lembranças e passagens de luar e assombração
Bate o coração: a história vem misturar cantoria com cantiga e vai
Rima tão antiga, rima pobre, rima rica, vai rimando sem parar
A gravura tem a paisagem e o tremor
Que o poeta sente no coração do mundo
Na vida da gente”
Lutas e desejos de promessas de encontros pelo céu
Facas e facões: vinganças de amor
Quem sentiu a quentura vinda do sertão
Vê sabedoria na gravura, vê a tinta impregnada de emoção
Povo abandonado numa esquina explodindo de emoção
Trágicas lembranças e passagens de luar e assombração
Bate o coração: a história vem misturar cantoria com cantiga e vai
Rima tão antiga, rima pobre, rima rica, vai rimando sem parar
A gravura tem a paisagem e o tremor
Que o poeta sente no coração do mundo
Na vida da gente”
                                                       Gravura,  de Clôdo Ferreira, em CD do  mesmo título, 2007
Mãe da Lua, uma das obras do acervo de Jeová  Franklin.
Texto e imagens extraídos da edição comemorativa realizada em 2007
Mais sobre Cordel:  Aqui no Illustratus 










 
 
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