10 de março de 2010

Chiquinha Gonzaga



Indagada a escolher entre a música e o casamento, 
Chiquinha não teve dúvida e respondeu:

- Pois, senhor meu marido,
eu não entendo a vida sem harmonia!

 
Compositora, instrumentista, regente. Rio de Janeiro, RJ.
Maior personalidade feminina da história da música popular brasileira e uma das expressões maiores da luta pelas liberdades no país, promotora da nacionalização musical, primeira maestrina, autora da primeira canção carnavalesca, primeira pianista de choro, introdutora da música popular nos salões elegantes, fundadora da primeira sociedade protetora dos direitos autorais, Chiquinha Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro, filha do militar José Basileu Neves Gonzaga e de Rosa Maria de Lima.

Estudou piano com professor particular e aos 11 anos compôs sua primeira música, uma cantiga de Natal: Canção dos Pastores. Casou-se aos 16 anos, com um oficial da Marinha Mercante escolhido por seus pais. Poucos anos depois abandonou o marido por um engenheiro de estradas de ferro, de quem também logo se separou. Passou a sobreviver como professora de piano. A convite do famoso flautista Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880), passou a integrar o Choro Carioca como pianista, tocar em festas e freqüentar o ambiente artístico da época. A estréia como compositora se deu em 1877, com a polca Atraente, composta de improviso durante roda de choro em casa do compositor Henrique Alves de Mesquita e publicada pela Viúva Canongia, Grande Estabelecimento de Pianos e Músicas.

Por desafiar os padrões familiares da época, sofreu fortes preconceitos. Aperfeiçoou-se com o pianista português Artur Napoleão (1843-1925). Sua vontade de musicar para teatro levou-a a escrever partitura para um libreto de Artur Azevedo, Viagem ao Parnaso. A peça foi recusada pelos empresários. Outras tentativas fracassaram, até que conseguiu, em 1885, musicar a opereta de costumes A Corte na Roça, encenada no Teatro Príncipe Imperial. Em 1889 promoveu e regeu, no Teatro São Pedro de Alcântara, um concerto de violões, instrumento estigmatizado àquela época. Foi uma ativa participante do movimento pela abolição da escravatura, vendendo suas partituras de porta em porta a fim de angariar fundos para a Confederação Libertadora.

Com o dinheiro arrecadado na venda de suas músicas comprou a alforria de José Flauta, um escravo músico. Chiquinha Gonzaga também participou da campanha republicana e de todas as grandes causas sociais do seu tempo. Já era uma artista consagrada quando compôs, em 1899, a primeira marcha-rancho, Ó Abre Alas, verdadeiro hino do carnaval brasileiro. Na primeira década deste século esteve algumas vezes na Europa, fixando residência em Lisboa por três anos. 
Foi com este ar "Atraente" que Chiquinha apresentou ao Rio de Janeiro  seu primeiro sucesso, em 1877.  A compositora tinha então 29 anos.

De volta ao Brasil deu uma contribuição decisiva ao teatro popular ao musicar, em 1912, a burleta de costumes cariocas Forrobodó, seu maior sucesso teatral. Em 1914 seu tango Corta-Jaca foi executado pela primeira-dama do país, Nair de Teffé, em recepção oficial no Palácio do Catete, causando escândalo político. Em setembro de 1917, após anos de campanha, liderou a fundação da SBAT, sociedade pioneira na arrecadação e proteção dos direitos autorais. Aos 85 anos de idade escreveu a última partitura, Maria, com libreto de Viriato Corrêa.

Sua obra reúne dezenas de partituras para peças teatrais e centenas de músicas nos mais variados gêneros: polca, tango brasileiro, valsa, habanera, schottisch, mazurca, modinha etc. Chiquinha Gonzaga faleceu aos 87 anos de idade, no dia 28 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro. 

"Durante um século o povo veio mantendo vivo o espírito determinado de Chiquinha Gonzaga através da marchinha Ó Abre Alas. A intuição genial da compositora ao traduzir a vontade popular de abrir alas para passar e vencer, fez essa canção atravessar o tempo como a sua obra mais popular. Tão popular que sombreava a autora, pois era, por muitos, considerada de domínio público. Exatamente um século depois de batizar o carnaval com a primeira marchinha, chegou a vez de a autora tornar-se também popular, graças à força do teatro e da televisão como meios de comunicação. E Chiquinha penetrou fundo no imaginário nacional.

Até então, o grande público a desconhecia. Mas o que fez com que essa personagem ficasse à margem da história do país que ajudou a construir? Por que estava esquecida? Teria sido deliberadamente escondida? Eram essas as perguntas que eu me fazia trinta anos atrás, no início da pesquisa que resultou na redescoberta da compositora e maestrina carioca. A todo o momento, sentia o silêncio que costuma punir a memória dos transgressores. Encontrei uma resistência sem trégua entre seus descendentes. Suas netas ainda sobreviventes negavam-lhe a presença em porta-retrato, para não denunciar o parentesco vergonhoso. Quando faleceu a última neta, foi encontrada, sob o pano bordado do seu oratório, uma foto da avó, dobrada, numa tentativa de escondê-la até de Deus!

Mas, já nos alertou Machado de Assis, contra a conspiração do silêncio e da indiferença, os grandes têm um aliado invencível: a conspiração da posteridade. Este foi o caso de Chiquinha Gonzaga. Ela foi resgatada, redimensionada, e nessa redescoberta se revelou uma mulher contemporânea, exatamente por conta do que tentaram silenciar em sua biografia: o conflito com que viveu a maternidade e a sexualidade.

Como os filhos lhe foram praticamente tirados, sob a alegação de não constituir, sobretudo para as meninas, o modelo de virtude exigido a uma mãe de família; e como lutou para conciliar a atividade profissional com a maternal, Chiquinha Gonzaga terminou criando apenas o filho mais velho. No entanto, sua biografia havia sido retocada para não chocar seus contemporâneos e justificar seu trabalho fora de casa como necessário à sustentação dos filhos. O fato é que, naquela época, a maternidade era uma fatalidade para a mulher. E soa no mínimo curiosa a idéia de que esta mulher que recusou o papel tradicional de mãe seja considerada hoje a mãe da música popular brasileira.

A questão da sexualidade ainda é vista como mais escandalosa. Depois de abandonar o casamento, Chiquinha viveu uma união livre, teve mais uma filha, e em seguida se profissionalizou como compositora e intérprete de um gênero de música para danças consideradas licenciosas. Ocorre que a originalidade estava exatamente em incorporar às danças européias a rítmica africana, que sabemos se caracterizar pela síncope, esse vazio no tempo da música que convida o corpo a participar. Portanto, parece impossível trabalhar esse tipo de música sem sensualidade.

Por viver muito à frente do seu tempo, Chiquinha Gonzaga gerou mais escândalo que exemplo. A História parecia só registrar entre as brasileiras ilustres heroínas virtuosas e abnegadas. Foi preciso esperar um século e meio para que seu comportamento fosse compreendido e ela tivesse um reconhecimento à altura da sua contribuição ao país.

Em resumo, a história de Chiquinha Gonzaga é a história de uma sinhazinha do Segundo Reinado, educada segundo os padrões da época, com um casamento arranjado pelo pai, também segundo os padrões da época. Acontece que a sinhazinha em questão, rebelde e corajosa, rompeu com o casamento e deu um destino inédito ao aprendizado de piano que recebera. Em vez de brilhar nos salões da corte de Dom Pedro II, tornou-se professora de piano, pianista de conjuntos musicais, compositora e maestrina. Encerrou a carreira profissional como líder de sua classe ao fundar a primeira sociedade protetora e arrecadadora de direitos autorais do país. Enfim, uma trajetória de sucesso.

Do ponto de vista pessoal, sua vida também foi um sucesso. Contrariando a expectativa social de que, à transgressão feminina, correspondesse estigmatização e infelicidade, ela respondeu com a felicidade pessoal ao lado do companheiro trinta e seis anos mais jovem. Um comportamento ousado ainda nos nossos dias. Chiquinha Gonzaga não é apenas a pioneira da emancipação feminina no país, conquistando essa independência com uma atividade inédita para a mulher de sua época (nunca é demais lembrar que a palavra maestrina foi criada para ela), mas é também pioneira no uso pleno da liberdade pessoal, o que exerceu com uma antecedência histórica escandalosa.

Concluindo: Chiquinha Gonzaga deu uma contribuição decisiva à cultura brasileira ao criar as bases sobre as quais se construiu a música popular; ao elaborar a síntese musical entre influências européias e africanas; e ao fixar uma rítmica brasileira. Para a tarefa, foi fundamental sua coragem pessoal. A compositora que se serviu, sem preconceitos, de todos os gêneros musicais que encontrou, foi a mesma mulher que passou a vida desafiando preconceitos. Por fim, nos deixou sua palavra de ordem: abrir alas, passar e vencer!"

Edinha Diniz, Rio, 10/03/2008

 
Reprodução do livro Chiquinha Gonzaga, de Edinha Diniz, 2001.
Clara Sverner interpreta Chiquinha Gonzaga.
Clube do Choro, Brasília, 2007. Confiram alguns trechos das músicas: Em Guarda, Viva la Gracia, Bionne, Amapá e Atraente



 "Atraente"



DADOS -  CRONOLOGIA

1847 Nasce no Rio de janeiro a 17 de outubro.
1863 Casa-se com Jacinto Ribeiro do Amaral.
1864 Nasce seu primeiro filho: João Gualberto.
1865 Nasce sua filha Maria.
1866 Embarca com o marido no navio São Paulo, por este fretado, que transporta tropas para a Guerra do Paraguai.
1869 Abandona o marido. Conhece o flautista Joaquim Antônio Callado.
1876 Vive com o engenheiro João Batista de Carvalho. Nasce a filha Alice.
1877 Primeira obra editada: a polca Atraente, que em nove meses chega à 15ª edição.
1879 Começa a instrumentar, com autodidatismo.
1880 Anuncia-se publicamente como professora de várias matérias.
1883 Tentativa frustrada de musicar libreto de Arthur Azevedo (a produção teatral não aceita uma mulher como autora da música).
1885 Estréia como maestrina.
1888 Extinção da escravidão no Brasil, pela qual durante tantos anos Chiquinha Gonzaga lutara.
1889 - Proclamação da República, outro anseio da compositora.
1890 Nasce a primeira neta.
1891 Falecimento do pai.
1896 Falecimento de Rosa, sua mãe.
1899 Carnaval. Compõe Ó Abre Alas. Conhece João Batista, jovem português de 16 anos que seria seu companheiro até o fim da vida.
1902 Viaja para a Europa.
1904 Segunda viagem à Europa.
1906 Instala-se em Portugal.
1909 Retorno ao Brasil.
1911 Inicia intensa atividade musicando peças teatrais para os espetáculos por sessões dos cine-teatros da Praça Tiradentes (RJ).
1912 Estréia Forrobodó, seu maior sucesso teatral.
1913 Deflagra campanha em defesa pelo direito autoral dos compositores e teatrólogos.
1914 Lançamento, com grande sucesso, do tango Corta-Jaca.
1917 Participa da fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. 1919 Grande éxito da peça de costumes regionais Juriti.
1925 Recebe homenagens consagradoras da SBAT e reconhecimento do país inteiro. Aos 85 anos escreve sua última música: Maria.
1934 Falecimento da filha Maria.
1935 Morre no dia 28 de fevereiro. Dois dias depois realiza-se o primeiro concurso oficial das escolas de samba.

Verbete biográfico e dados cronológicos retirada do livro "Chiquinha Gonzaga: uma história de vida". escrito por Edinha Diniz. Editora Rosa dos Tempos, 1999.

 
Etiqueta com a qual Chiquinha marcava suas partituras para teatro. Reprodução.

Abaixo, relação de algumas músicas de Chiquinha Gonzaga, sugestões de vídeos e partituras.



A Brasileira, canção
Adriana Calcanhoto, Canto e Maria Teresa Madeira, piano

A Morena, canção
Edu Lobo, Canto e Leandro Braga, piano
A Corte na Roça, Balada Romântica
Wandrei Braga, arranjo e piano
Água de Vintém, canção

Olívia Hime, Canto e Clara Sverner, piano 

Água de Vintém, canção
Olívia Hime, Canto e Clara Sverner, piano

Partitura para piano (PDF)
As Pombas, canção
Zezé Gonzaga, Canto e Maria Teresa Madeira, piano

Atraente, polca
Edson Cordeiro, Canto e Miguel Briamonte, piano


Bionne (Adeus), polca
Maria Teresa Madeira, pinao e Marcus Viana, violino

Canção do Maestro, canção
Zeca Baleiro, Canto e Maria Teresa Madeira, piano


Forrobodó, canção
Lenine, Canto e Maria Teresa Madeira, piano

Gaúcho (Corta-Jaca), Tango
Marcus Viana, violino e Maria Teresa Madeira, piano

Choronas, grupo de choro
Lua Branca, canção
Joana, Canto e Maria Teresa Madeira, piano
 
Wandrei Braga, arranjo e piano

Duo Santoro, violoncelos

Maria Bethânia, Lua e Lua Branca

Partitura para piano, arranjo Wandrei Braga (PDF)

Partitura para piano e canto (PDF)
Machuca, cançoneta
Daniela Mercury , Canto e Clara Sverner, piano
Marcha Fúnebre, marcha
Wandrei Braga, piano
Maria, canção
Leandro Braga, piano e Cauby Peixto
Maxixe de Zefirina, maxixe
Maria Teresa Madeira, piano e Beth Carvalho, voz
Maxixe do Barradas, canção
Maria Teresa Madeira, piano e Virginea Rosa, voz
Menina Faceira, canção
Maria Teresa Madeira, piano e Paulinho Moska, voz
Morena, canção luso-brasileira
Maria Teresa Madeira, piano e Marcus Viana, violino
Namorados da Lua, canção
Leandro Braga, piano e Milton Nascimento, voz

Ó Abre Alas, marcha rancho
Leandro Braga, piano e Marlene, Emilinha e Angela Maria, vozes

Partitura para piano, arranjo Wandrei Braga (PDF)
Oh Mon Etoile, tango brasileiro
Leandro Braga, piano e Selma Reis, voz
Santa, canção brasileira
Maria Teresa Madeira, piano e Zélia Duncan, voz
Simpatia (O que é simpatia?), modinha
Maria Teresa Madeira, piano e José Ramalho, voz
Plangente, valsa sentimental
Alexandre Dias, piano

Partitura para piano (PDF)
Roda io-io, maxixe brasileiro
Luciana Hamond, piano e Eliete Negreiros, voz

Partitura para piano e canto (PDF)

Romance da Princesa, canção
Maria Teresa Madeira, piano e Roberta Miranda, voz
São Paulo, tango brasileiro
Partitura para piano (PDF)

Sedutor, tango
Partitura para piano (PDF)
Sonhando, habanera
Partitura para piano (PDF)

Sultana, polca
Partitura para piano (PDF)

Suspiro, tango
Alexandre Dias, piano

Partitura para piano (PDF)
Tambyquererê, tango
Partitura para piano (PDF)
Tim-Tim, tango
Partitura para piano (PDF)
Viva o Carnaval, polca
Partitura para piano (PDF)
Yá-yá Fazenda etc. E... tal!..., canção brasileira
Maria Teresa Madeira, piano e Fernanda Takai, voz
Yo te adoro, tango
Partitura para piano (PDF)

Publicações

Songbook Chiquinha Gonzaga 1


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Atraente
Catita
Cubanita
Gaúcho (Corta-Jaca)
Lua Branca
Não Insistas, Rapariga!
Ó Abre Alas
Plangente
Passos no Choro
Sultana
Te Amo
A Corte na Roça


 O melhor de Chiquinha Gonzaga

Livro de partituras Irmãos Vitale Editores - Brasil, 1999. Peças originais e arranjos para piano; melodias e cifras. Dados biográficos. Músicas para piano e Melodias cifradas.




Ó abre alas
Lua Branca (da opereta Forrobodó)
Gaúcho (O Corta-Jaca)
Annita
Saci-pererê
A Corte na Roça (Recitativo)
Meditação  
A dama de outro
Carlos Gomes
Não insista, rapariga
Atraente
Viva o Carnaval!
Fonte

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