8 de março de 2010

Arno Breker - O Michelangelo do século XX


Arno Breker?
Quem é Arno Breker?

Embora seja um dos representantes mais importantes das artes plásticas do século XX, é um desconhecido tanto para as academias de arte como para o público em geral. Tendo vivido numa época de profundas mudanças políticas, revoluções e guerras (1900 - 1991) na Alemanha, teve que assistir à destruição quase completa de sua obra, composta de centenas de esculturas (em grande parte de dimensão colossal), e sofrer perseguição política até a sua morte. 

 


 Um artista inato

Arno Breker nasceu na Alemanha, na cidade de  Elberfeld, no dia 19 de julho de 1900. Nasce junto com o século XX um artista dotado de sensibilidade e habilidade técnica capazes de transformar a pedra, a argila, a cera, a plasticina e o bronze em expressivas figuras humanas que nos transportam a uma dimensão elevada da arte e que conseguem nos emocionar, pois representam estados de espírito que foram magistralmente registrados na matéria pura.
Era o filho mais velho de um escultor de pedras e de monumentos funerários, Arnold Breker e de sua mulher, Luise. Aos 15 anos de idade, ao  conhecer os trabalhos de Rodin, sente o chamado da arte e decide ser escultor. Começa então a familiarizar-se com os instrumentos da escultura no atelier de seu pai e a produzir obras admiráveis. Encontrou sua melhor expressão na linha da escultura clássica iniciada pelos gregos e também representada por Michelangelo e Rodin.
Em 1925 termina seus estudos na Academia de Arte de Dusseldorf, onde produz suas primeiras obras. Um de seus professores chegou a lhe dizer: “Você sabe mais do que eu; não tenho mais nada a lhe ensinar”. Estudou também arquitetura e chegou a ganhar, nessa área, prêmios significativos em concursos internacionais, mas acabou se dedicando mais à escultura. Aos 27 anos muda-se para Paris, cidade que veio a se tornar o seu segundo lar, onde compra um estúdio e trabalha em contato com inúmeros artistas e escritores que admiram a sua obra. Aos 30 anos já começa a receber encargos oficiais do governo alemão, entrando num período de crescente produtividade e influência.   
Até 1945 ele já tinha produzido esculturas monumentais, algumas com mais de três metros de altura, como Aurora (1925), Torso de David (1927), São Mateo (1927), A imploradora (1929), Moça ajoelhada (1929), Heinrich Heine (1932),  Atleta do Decatlo (1936), Dionysos (1937), Prometeu (1935), A Vitória (1936), A Graça (1939), O Heraldo (1939), O Ferido (1940), O Portador de Antorcha (1940), Eos (1942), Flora (1943), A fidelidade (1943) e outras. Produziu, além disso, majestosos e extensos relevos como Combate e A mensageira da Vitória (que decoraram o Arco do Triunfo em Berlin (1940), Domadores de Cavalos (1940), O Porta-Estandarte (1942), O Sacrifício (1940), A Vingança (1940), Os Camaradas (1941), Appolo e Dafne (1940), Eurídice e Orfeu (1944) e outros; retratos dos principais artistas europeus contemporâneos, que admiravam a sua obra, como os dos escultores Maillot e Despiau, os dos pintores Salvador Dali, Derain e Vlaminck, o do poeta Jean Cocteau, o do escultor Ernst Fuchs e, ainda, os dos compositores Wagner e Lizst, dentre várias outras esculturas e obras arquitetônicas.

Preconceito e perseguição        
                                                 
Porém, nesse mesmo ano de 1945, as tropas aliadas transformam em montanhas de estátuas quebradas oitenta por cento do trabalho tanto escultural como arquitetônico de Arno Breker, alegando que muitas de suas obras haviam sido encomendadas pelo governo nacional socialista alemão. Imperturbável, o artista nunca negou nem o que ele viveu nem o que criou, não parando de proclamar seu ideal artístico: “Eu sempre celebrei o homem, jamais uma ideologia. Sou o escultor do homem, da tripla criação: corpo, mente e espírito”. E, com efeito, basta contemplar a sua obra para constatar a verdade de suas palavras: o apelo à vida, à beleza, à pureza e à espiritualidade presente em cada trabalho seu provoca em qualquer pessoa o sentimento da vergonha pela existência da guerra e da violência.
O escultor começou então, a partir de 1945, a viver uma etapa difícil, de preconceito e perseguição. Até 1959 ele se dedica mais à arquitetura, participando da reconstrução das cidades de Munique, Colônia, Hagen, Essen e Düsseldorf,  voltando a viver, durante esse período, na Alemanha. Também produz algumas esculturas abstratas. Em 1958 casa-se com Charlotte Kluge, com quem tem duas filhas. Em 1960 instala-se de novo em Paris e se dedica uma vez mais à escultura, retornando ao brilho social de antes da guerra. Mas só a partir de 1975, após trinta anos de rejeição, é que ele começa a ser reconhecido novamente por algumas mentes mais lúcidas, que perceberam a injustiça cometida. Contribuiu para isso um certo enfado sentido pelo público e pela comunidade artística em relação à chamada “arte abstrata”, que carece de imagens definidas e representativas da força e da beleza do homem.
Durante esses trinta anos marcados pelo esquecimento e pelo preconceito, que acabaram privando o artista de obter recursos para produzir obras de grande porte, tal como anteriormente fizera, ele continuou trabalhando em retratos e esculturas que demandassem um investimento pequeno de material, e assim prosseguiu até o final de sua vida, em 1991, quando já havia um crescente reconhecimento internacional pela sua extensa e admirável obra.



O estilo imortal

Toda a produção artística de Breker é consagrada à beleza, valor supremo para Nietzsche, seguindo nesse sentido o caminho traçado pelos mestres da arte européia, os gregos Phídias e Praxísteles, o florentino Michelangelo, os franceses Daumier e Carpeaux (que exerceu uma profunda influência sobre ele) e Rodin. À imagem dos mestres das letras da Renascença, ele reivindica a herança grega, cadinho onde se forjou a estética européia. A Grécia e suas lendas serão os temas mais recorrentes em sua obra.
Enquanto centenas de artistas no mundo inteiro estavam presos a condicionamentos econômicos e modas passageiras, cultivando uma arte abstrata, geralmente vazia ou resultante das tendências mais obscuras do ser humano, Arno Breker conseguiu quebrar essas cadeias e transmitir o seu conceito idealista e poético do mundo através de suas esculturas. “A revelação da essência humana”, afirmou ele, “razão de ser do retrato, não e realizável se não for por intermédio do artista executante... É na penetração espiritual recíproca entre o escultor e o seu modelo que se encontra o verdadeiro impulso criador, o que anima as autênticas mensagens”.    
Se o corpo humano é uma densificação moldada por nossos pensamentos, obras e convicções mais íntimas; se ele é uma extensão do próprio espírito, a parte materializada de nós mesmos, então Breker conseguiu captar essa essência nas suas obras, imprimindo-lhes a beleza do eterno e do verdadeiro, que, embora não seja propriamente visível, pode, através dos olhos, atingir diretamente o que há de eterno e verdadeiro em nós, deleitando-nos. É a arte na sua mais pura realização, conectando-nos a esferas de amor, harmonia, sensibilidade e equilíbrio e nos aproximando de nossa condição de homens.  É a procura do belo, que marcou indelevelmente a vida do artista desde que foi tocado pela mágica mensagem da consciência ante a contemplação do David de Michelangelo nas ruas de Florença: “Permaneci ali, como ferido por um raio... Era como uma chamada mística, como uma ordem. Sim, essa noite compreendi que terminava ali a minha fase de trabalhar para o comércio e a gente rica, de esculpir objetos para serem passados banalmente de mão em mão, de trabalhar para zelosos colecionadores, e que a minha vocação seria, custasse o que custasse, trabalhar para a Arte, para as praças públicas, para todo mundo”. 
Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade que observe a obra de Breker poderá perceber nela o divino toque de beleza de que só a verdadeira arte é possuidora. Com o estilo dos gregos da era clássica, o escultor concretizou o sentido do trágico e o harmonizou com um suave romantismo germânico. Se Rodin imortalizou O Pensador, Arno Breker eternizou sua obra com O Guerreiro Ferido. Ele projetou novas dimensões na figuração plástica do homem e, a partir daí, tornou sua criação artística um padrão incomparável.
O artista francês Charles Despiau assim define a arte de Breker: “A arte não é para ele assunto de capela; deve responder a um ideal novo, falar às massas uma linguagem elevada, mas simples e inteligível... Essa arte, que aspira a resgatar ao indivíduo a beleza, a nobreza, a força, a saúde física e moral, essa arte será viril, será simples, será nua... Expressar-se-á mediante o corpo humano que retorna ao ar livre, à sua nobreza original, animado de um gesto puro, enobrecido pelo pensamento”.

As obras

As esculturas de Breker evidenciam, inevitavelmente, os valores, ideais e aspirações do artista. Podemos assim ilustrar os fatos de sua vida (e também das nossas) através de suas esculturas. O Prometeu, que representa o deus que trouxe cultura e o fogo divino à humanidade, nos faz pensar na contribuição de Breker, que soube trazer fogo e luz à arte humana, e, à semelhança do deus grego, teve que viver o sofrimento frente à ignorância, quando as tropas aliadas destruíram quase completamente as suas obras em 1945, fato que evidenciou um  improcedente preconceito. Já a obra Os Camaradas é uma homenagem a esse nobre e raro sentimento chamado “amizade”, prezado e cultivado por Breker em toda a sua vida, haja vista ao número grande de artistas que o procuravam freqüentemente, alguns dos quais foram retratados em suas esculturas. A Força, por sua vez, nos lembra o estado de espírito que o levou a superar, no pós-guerra, as inúmeras demonstrações de perseguição contra ele, enfrentando uma campanha de pretenso esquecimento. A Mensageira da Vitória lembra o triunfo da Arte que representa a verdade e a liberdade e que, por isso mesmo, resiste às modas e êxitos passageiros, fato que vem acontecendo, no que respeita à sua obra, com o progressivo reconhecimento do valor do seu trabalho. E A Graça pode representar a recompensa da vida por essa luta em nome do belo através da delicadeza e compreensão das suas amadas esposa e filhas.
Alphonse Darville, que promoveu, em 1972, a primeira exposição de Breker em Paris depois dos seus trinta anos de “morte artística”, afirma no texto que anuncia a mostra: “A arte de Arno Breker é uma recusa à queda na não-arte ou na sombra masoquista do não-ser pelo não-saber. Para isso, é preciso estar munido de uma grande coragem. É preciso ser forte para emergir de uma terrível solidão. Os belos nus que se erguem para o céu por entre as árvores de um jardim florido são como cânticos cheios de fervor e de alegria,  felizes vitórias sobre a dúvida. Tais são as criações que Arno Breker nos entrega como uma mensagem de confiança e de esperança num mundo que se vê assolado pela negação.”
E Roger Peyrefitte, em 1974, afirma: “Arno Breker não é somente um grande escultor entre os grandes escultores e o maior dos que vivem hoje; ele é O escultor. Possui o privilégio que têm  um ou dois artistas por século de imortalizar a vida como se apresenta perante os nossos olhos e de alcançar a perfeição como esta reside nas leis inatingíveis que concedem a cada um sua originalidade.”
Breker foi o artista mais influente da Europa de seu tempo, tendo recebido elogios dos mais renomados mestres das artes plásticas, que admiravam o seu trabalho e reconheciam sua superioridade na representação do ideal de beleza humana. O escultor catalão Maillol, normalmente citado pelos críticos de arte como um dos quatro maiores do século XX, ao lado de Rodin, Despiau e Breker, afirmava: "Eu não seria capaz de modelar o corpo humano como Breker o faz". E Despiau declarou: "A escultura arquitetônica de Breker não se manifestou apenas nas obras realizadas e conhecidas do público. O que ele prepara é algo tão grandioso que qualquer um se sente emocionado diante de tantas concepções; não há como não se curvar e tirar o chapéu perante quem é capaz de realizar tais iniciativas." (Infiesta, 1976)

Porém, apesar de toda a sua genialidade, ele foi, a partir de 1945, considerado "morto", inexistente, tendo seu nome sido absolutamente banido do mundo artístico e das escolas de Artes Plásticas. A destruição de quase todas a suas obras pelos americanos após o término da guerra, o silêncio imposto por todos os meios de informação pública e o boicote realizado contra o seu trabalho fizeram dele uma sombra do passado. Talvez seja este o primeiro caso na História de destruição sistemática e brutal de uma obra gigantesca, cujo autor cometeu o único suposto crime de ter vivido num momento histórico que alguns querem desesperadamente esquecer.

Podem porventura ser considerados condenáveis os jovens esculturados com corpos de atleta e olhar firme que compõem a maior parte de seu trabalho? Em nome de que estranha justiça se pode arrasar as obras de arte dos autores que caem em desgraça perante a política? Há acaso alguma razão que justifique o ódio contra a obra de um artista? São questões que o próprio tempo deverá responder, trazendo à tona a verdade que foi ocultada, por vingança, pelos chamados vencedores da guerra de 1939 - 1945.


Bibliografia:
Infiesta, José Manuel - Arno Breker - Ediciones de Nuevo Arte Thor. Barcelona, 1976 (1ª edição); segunda edição, ampliada, 1982.
Egret, Dominique - Arno Breker: Uma Vida para Beleza - Edition Grabert. Tübingen, 1996
Fotos:
Egret, Dominique - Arno Breker: Uma Vida para Beleza - Edition Grabert. Tübingen,1996 

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