2 de março de 2010

Cícero Dias


Cícero dos Santos Dias (Escada PE 1907 - Paris França 2003). Pintor, gravador, desenhista, ilustrador, cenógrafo e professor.
Sétimo filho de Pedro dos Santos Dias e Maria Gentil de Barros Dias. Seus pais tiveram mais dez filhos: Antônio, Manuel, José, Maria de Lourdes, Pedro, Feliciana, João, Maria, Mário e Rômulo. Cícero é neto do barão de Contendas pelo lado materno. Em Usina (1936) o escritor José Lins do Rego descreve os hábitos e costumes da família de engenho. O espelho para esse livro é a família Santos Dias.

Sonho , ca. 1930
aquarela sobre papel, c.i.e.
50 x 30 cm
Coleção Gilberto Chateaubriand - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Reprodução fotográfica Paulo Scheuenstuhl

A infância de Cícero foi semelhante a de qualquer menino de engenho, com banhos ruidosos, proibidos, as brincadeiras e traquinagens, a presença do cangaço, as visitas aos engenhos vizinhos, a enchente, a escola, a professora, as primeiras letras, as lições de sexo.

Ladeira de São Francisco
(c. 1933)
Óleo sobre tela
85 x 85 cm
Museu do Estado de Pernambuco

Naquela época os senhores de engenho abandonavam em desleixo os filhos, não se importando com a infância. Depois recorriam ao colégio para corrigi-los. Cícero não fugiu a essa regra. Viveu seus primeiros anos pelos engenhos do interior de Pernambuco.

"Eu vivi intensivamente tudo. Por exemplo: onde nós estamos aqui, onde é o Hotel Boa Viagem, eu tenho a impressão que foi a primeira vez que eu vi o mar, porque as famílias se transportavam dos engenhos para as praias. Primeiro fui para Gaibu e depois Boa Viagem. Eu tenho a impressão que a primeira vez que vi o mar, tenho certeza, foi aqui em Boa Viagem, porque tinha o trenzinho de burro que saía da estação de Boa Viagem e trazia os passageiros p'ra orla marítima."

Engenho Noruega
(c. 1933) 
Óleo sobre tela
85 x 85 cm
Museu do Estado de Pernambuco


O mar e a lua são elementos constantes na pintura de Cícero, bem como as lembranças que guarda de tia Angelina e da velha avó, em seu sobrado grande e antigo onde ele passa a residir para terminar o curso primário, já que a escolinha do engenho só alfabetizava os seus alunos.

Nessas recordações, ocupa um espaço grande a babá Maria Bernarda da Silva e seus quitutes. Ela, por sua vez, considerava o garoto como sossegado e bom. Vivia cortando papel, pintando coisas, sonhando...


Cicero Dias inicia a carreira artistica na década de 1920, quando estão sendo introduzidas as tendências de vanguarda no Brasil. Liga-se aos intelectuais do movimento regionalista de 1926, que ocorre no Recife, em resposta à Semana de Arte Moderna de 22. No começo, ele produz principalmente aquarelas, nas quais representa um universo de sonhos, inquietante. Os personagens, em escala diferente das paisagens, e também os objetos apresentam muita leveza, freqüentemente flutuam, como, por exemplo, em O Sono, 1928, O Sonho da Prostituta, 1930 e Mulher Nadando, 1930. São imagens que evocam o mundo do inconsciente, nas quais o erotismo é freqüente. Estas são representadas com grande delicadeza no desenho e em uma gama cromática muito rica. Na opinião do crítico Antonio Bento, sua obra relaciona-se ao surrealismo e também a um imaginário fantástico nordestino, em que mitos e fábulas estão presentes nas manifestações artísticas e na literatura de cordel.
O grande painel Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife é exposto em 1931, no Salão Revolucionário, do qual participam artistas de vanguarda. A obra apresenta uma série de pequenas cenas, nas quais retoma o universo presente nas aquarelas. O painel causa impacto pelo porte e pela concepção, impregnada de forças misteriosas do inconsciente e é a obra mais destacada do artista, antes de sua viagem para a França. Cicero Dias viaja para Paris em 1937, obtendo um cargo no Escritório Comercial, junto a Embaixada do Brasil. Na cidade, aproxima-se de Di Cavalcanti, trava contato com o pintores franceses Georges Braque, Fernand Léger e Henri Matisse, e torna-se amigo do pintor espanhol Pablo Picasso. O tema e a técnica de seus quadros continuam ligados a Pernambuco, o artista mantém a luz e a cor de suas paisagens, como em Mulher na Janela, 1939

Visão Romântica do Porto de Recife , déc. 1930
óleo sobre cartão

124 x 228 cm
Coleção Gilberto Chateaubriand - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Reprodução fotográfica Paulo Scheuenstuhl 

Mulher na Janela,
(c. 1936) 
Óleo sobre tela
Recife
Coleção particular

 O Baile , 1937
óleo sobre tela

54 x 65 cm
Coleção Particular
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini

Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), embora não estivesse mais trabalhando na Embaixada do Brasil, Cicero Dias integra o grupo de brasileiros que são presos e confinados na cidade de Baden-Baden, na Alemanha e seriam trocados por prisioneiros alemães. Entre os companheiros do pintor está o escritor Guimarães Rosa. Após negociações entre os dois países, o grupo de diplomatas e funcionários do governo brasileiro é libertado, seis meses depois, em Portugal, em 1942. Dias volta para a França, clandestinamente, vivendo por algum tempo num pequeno quarto de hotel, na cidade de Vichy. Mantém correspondência com amigos, entre eles Picasso e o poeta surrealista Paul Éluard. Com Éluard, vive um dos episódios mais comentados de sua biografia: quando retorna da França para Portugal, acompanhado de sua noiva, traz consigo o poema Liberté, de Paul Éluard. O poema, exaltando a liberdade, é enviado por Cicero para Londres, onde é impresso e espalhado por toda a França ocupada, em vôos da Força Aérea Inglesa.  


Sem Título , déc. 1940
óleo sobre tela, c.i.e.

80 x 100 cm
Coleção Particular
Reprodução fotográfica André Morain 

 Cidade
(década de 1960)
Óleo sobre tela
81 x 65 cm
Coleção Particular, Paris

Em Portugal, a partir de 1943, inicia uma pesquisa comparativa entre a cultura portuguesa e a brasileira, estuda arte popular, arquitetura, escultura e pintura. Nessa época pinta quadros que têm por motivos elementos vegetais, como Galo ou Abacaxi, 1940 ou Mamoeiro Dançarino, déc.1940 em que parte do gênero da natureza-morta, trabalhando com o ilusionismo, de forma irônica. Outras obras revelam o impacto causado pelo quadro Guernica, de Picasso: Mulher Sentada com Espelho, 1940 ou Duas Figuras, 1944.

 Figuras na varanda
(década de 1980)
Óleo sobre tela
73 x 60 cm
Coleção Particular, Curitiba

Na década de 1940, produz obras que apresentam um diálogo entre o figurativo e a abstração. Apesar do geometrismo, aparecem a vegetação, o canavial e o mar, como em Mormaço, 1941 ou Praia, 1944. Retorna à França em 1945 e integra o grupo abstrato Espace, da Escola de Paris, até 1950. Pinta, em 1948, os primeiros murais abstratos da América Latina, para o Conselho Econômico do Estado de Pernambuco, atual Secretaria da Fazenda, no Recife. Neles, aproveita, como sempre, elementos da paisagem do Nordeste: canavial, jangadas, o vermelho dos telhados, mas submetendo-os a um processo do qual resultam formas simples e ricas de sugestões poéticas.
Após 1950, predominam os quadros abstratos, em que se destacam as formas fechadas, retangulares ou tendendo à circularidade, e a  preocupação com a luz e as cores claras, em uma gama cromática evocativa da natureza nordestina, como em Composição II, 1951. Para o crítico Mário Carelli, o artista, na abstração, parte de um "caminho vegetal", em que as formas geométricas refletem uma cristalização perfeita, baseada em estruturas vegetais, como em Meridianos, 1953 ou Relações Incertas, 1953. Paralelamente aos quadros abstratos, realiza outros, de caráter lírico. Estes apresentam, em sua maioria, figuras na paisagem, com rostos sutilmente iluminados, realizados com cores suaves e uso especial do branco, de que são exemplos Casal e Cena de Olinda, ambos de 1950.

Composição , 1928
aquarela e nanquim sobre papel

Coleção Particular
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini 

Volta com maior intensidade à pintura figurativa na década de 1960. Permanecem em seus quadros o clima de sonho e os elementos recorrentes: mulheres, casarios, folhagens, sendo constante a presença do mar. Usa freqüentemente os rosas e azuis. Em relação à fase figurativa do início da carreira, podemos dizer que a gestualidade dos personagens é contida e há mais sensualidade que erotismo, como ocorre em Barqueiro, 1980, Olinda e Recife ou  Moça no Barco, ambos da década de 1980.


 Casamento , déc. 1970
óleo sobre tela, c.i.e.
81 x 65 cm
Coleção Waldir Simões de Assis Filho
Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Em 1965, é homenageado com sala especial na Bienal Internacional de São Paulo. Inaugura, em 1991, painel de 20 metros na Estação Brigadeiro do Metrô de São Paulo. No Rio de Janeiro, é inaugurada a Sala Cicero Dias no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA. Recebe do governo francês a Ordem Nacional do Mérito da França, em 1998, aos 91 anos.


Cronologia

1915 - Em Escada, Pernambuco, estuda desenho com a tia e com Eustógio Wanderley, que lhe ensina pintura a óleo
1920/1937 - Reside no Rio de Janeiro nesse período
1920 - É aluno interno no Mosteiro de São Bento
1925/1928 - Freqüenta cursos de arquitetura e pintura na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, mas não conclui nenhum deles. Dedica-se à pintura
1925/1928 - Entra em contato com o grupo modernista
1926 - Começa a pintar aquarelas, publicadas em livro em 1993
1928 - Participa do Movimento Antropofágico, iniciado por Oswald de Andrade (1890 - 1954). Convive com Pagu, Anita Malfatti (1889 - 1964), Raul Bopp (1898 - 1984), Pedro Nava (1903 - 1984), entre outros
1928 - Seu estúdio é freqüentado por Murilo Mendes (1901 - 1975), Di Cavalcanti (1897-1976)Tarsila do Amaral (1886 - 1973), entre outros pintores e poetas
1929 - Participa do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, movimento a favor da arte e da cultura, organizado por Gilberto Freyre (1900 - 1987) em Recife
1929 - Colaborador da Revista de Antropofagia
1931 - Expõe no Salão Revolucionário da Enba a obra Eu Vi o Mundo.... Ele Começava no Recife, causando grande escândalo 
1932 - Monta ateliê em Madalena, no Recife, onde leciona desenho e pintura
1933 - Realiza as ilustrações da primeira edição do livro Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre
1937 - Executa cenários e figurinos para o balé O Jurupari, de Villa-Lobos e Sérgio Lifar, no Rio de Janeiro
1937/1942 - Parte para Paris incentivado por Di Cavalcanti. Entra em contato com Georges Braque (1882 - 1963), Henri Matisse (1869 - 1954), Fernand Léger (1881 - 1955) e Pablo Picasso (1881 - 1973), de quem se torna amigo
1939 - Fala nos estúdios da Radiodiffusion Nationale, em transmissões para a América do Sul
1942 - Preso pelos alemães, é enviado a um campo de concentração em Baden-Baden, na Alemanha. Liberto, passa a viver naquela cidade
1943/1945 - Adido cultural da Embaixada do Brasil em Lisboa
1943 - Publica trechos do seu romance autobiográfico Jundiá e seu ABC na revista luso-brasileira Atlântico
1944 - Realiza ilustrações para a Ilha dos Amores, de Camões, edição Montalvor
1944 - Mário de Andrade publica Cicero Dias e as Danças do Nordeste, com ilustrações do artista
1945 - Retorna para Paris após o término da II Guerra Mundial
1945 - Integra o grupo de artistas da Escola de Paris que expõe na Galeria Denise René
1948 - Viaja com Rubem Braga (1913 - 1990), Mário Pedrosa (1900 - 1981), Orígenes Lessa (1903 - 1986) e José Lins do Rego (1901 - 1957) pelo Nordeste do Brasil
1948 - Executa o mural do edifício da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, considerado o primeiro trabalho abstrato do gênero na América Latina
1949 - Reproduções de suas obras ilustram o artigo Le Mur, de Michel Seuphor, (sobre Murais) publicado na revista Art d'Aujourd'hui [Arte Hoje], dirigida por André Bloc
1950 - Participa da fundação do Congresso da Escola de Altamira, na Espanha, ao lado de Braque, Miró e Artigas
1951 - Faz parte do Groupe Espace criado por André Bloc e Félix Del Mare que reúne arquitetos, construtores e artistas plásticos
1951 - Faz parte do grupo Klar Form, formado por Jean Arp (1886 - 1966), Bloc, Alexander Calder (1898 - 1976), entre outros  
1954 - Apresenta com o arquiteto Claude Parent maquete para o projeto de um museu moderno decorada com miniaturas de obras de Fernand Léger, Jean Arp, Alexander Calder e Alberto Magnelli (1888 - 1971), em Biot, na França
1954 - Publicação de álbum com serigrafias de Cicero Dias e outros artistas pela Galeria Denise René
1955 - Realiza viagem para a Grécia e Oriente Médio
1956 - É publicado em Bruxelas, pela revista Quadrum, o artigo L´Abstraction Dite Géométrique, de Léon Degand, sobre a pintura de Cicero Dias
1967 - Realiza viagem a Iugoslávia
1976 - Luiz Miranda Correia realiza filme sobre Cicero Dias, em Paris
1978 - É realizado, pela Rede Globo de Televisão, filme sobre a vida e obra de Cicero Dias, com texto de Rubem Braga
1982 - Publicação de La Grande Espérance des Poètes, obra de Lucien Scheller sobre a situação dos intelectuais franceses durante a guerra. O autor faz referência à participação de Cicero Dias nas trocas de correspondência entre a Resistência francesa e Londres
1982 - Participa do 3º Congresso Afro-Brasileiro, em Recife
1983 - Realiza painel sobre a vida de Frei Caneca para a Casa de Cultura de Recife
1991 - Inauguração da Sala Cicero Dias no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA
1991 - Inaugura mural na estação do Metrô Brigadeiro, em São Paulo
1998 - Recebe do governo francês a Ordem Nacional do Mérito da França
2000 - Desenha o piso da Praça Marco Zero, em Recife, redenominada Praça Eu Vi o Mundo.... Ele Começava no Recife  
2001 - Projeto da praça Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife
2001 - Publicação do livro Cícero Dias, Uma Vida pela Pintura, curadoria e editoria do galerista Valdir Simões de Assis Filho e texto do jornalista pernambucano Mário Hélio.

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